terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O INÍCIO DO ESPIRITISMO - PARTE 2: A CODIFICAÇÃO


Os livros básicos do Espiritismo


Fábio José Lourenço Bezerra


Na segunda metade do século XIX a ciência e a tecnologia avançavam, oferecendo grandes contribuições à humanidade. O telégrafo possibilitou a comunicação quase instantânea entre longas distâncias, e o trem a vapor tornou possíveis as viagens de muitos para os mais distantes lugares, em um tempo muito menor. Estas foram apenas duas entre muitas outras grandes contribuições.
Assim, o estudo da natureza passava a ter extrema importância, e muito se questionava sobre os ensinamentos da religião que, exigindo uma fé cega, colocava muitos obstáculos a este estudo, limitando o pensamento humano. Cada vez mais pessoas desejavam compreender para crer.

Muitas pessoas se interrogavam: Como um Deus infinitamente bom, justo e todo-poderoso permitia tanto sofrimento e desigualdade entre os seus filhos?

Diante de tudo isso, o materialismo científico, que afirma que tudo surgiu por acaso, não havendo necessidade de um Deus para a criação do nosso Universo, avançava cada vez mais. Para o materialismo, as pessoas não passariam de pedaços de carne e osso inteligentes, sensíveis e com data de validade. As religiões nada mais seriam do que criações da imaginação humana.
Com o materialismo, vinha o pessimismo. Afinal, sem um propósito, um plano superior para a vida, nosso destino dependeria do acaso. Sofrer ou se dar bem na vida, muitas vezes, nada mais seria do que uma questão de sorte.
O que restaria das pessoas após a morte, se não possuem uma alma imortal? O suicídio, neste caso, seria uma fuga natural para aqueles que passam por grandes sofrimentos na vida. Para que viver sofrendo se, com a morte, tudo cessa?
Nossos parentes e amigos mais queridos simplesmente deixariam de existir depois de seus corpos terem descido para a sepultura.
Para que procurar modificar-se, combater em si os vícios morais do egoísmo, do orgulho, da vaidade e do apego às coisas materiais, querer tornar-se uma pessoa boa e equilibrada, se a vida é curta? Tudo acabando com a morte, só nos resta desfrutar da vida intensamente, sem se importar com quem quer que seja, pois a vida pode acabar a qualquer momento. Só alguém que já é naturalmente bom poderia continuar sendo, se fosse materialista. Mas mesmo assim questionaria se sua bondade não é uma perda de tempo, diante de tantas pessoas que só se importam consigo mesmas e estão desfrutando intensamente dos prazeres que a vida pode proporcionar.
Imaginemos um mundo onde a única crença fosse o materialismo. Seria uma selva, onde os fracos seriam devorados pelos fortes.

Foi nessa época que, como resposta dos céus, a partir dos Estados Unidos, (depois que aconteceram os fenômenos de Hydesville – Ver o texto O Início do Espiritismo Parte 1– Hydesville, neste blog), passando pela França, Europa e o resto do mundo, espalhou-se como uma epidemia o fenômeno das “mesas girantes”. Ele ocorria quando várias pessoas sentavam-se ao redor de uma mesa, todos pondo as mãos em cima dela, formando entre si uma corrente. Após um tempo, a mesa girava, flutuava e movia-se no ar sem apoio visível nenhum, e com batidas dos seus pés no chão, respondia às perguntas das pessoas presentes através de códigos (por exemplo, uma pancada significava a letra “A”; duas pancadas a letra “B”, até formar-se uma palavra, e em seguida frases inteiras).

                                                            Fonte da imagem: http://dalhemongo.com/coluna-das-mesas-girantes-a-codificacao

Durante muito tempo, as mesas girantes foram o principal divertimento da sociedade européia da época, notadamente a parisiense. Aconteciam tanto nos salões de festa quanto nos lares, quando os familiares e amigos reuniam-se para interrogar as mesas sobre os mais diversos assuntos que, em sua maioria, eram banais: se ia arranjar um marido, conseguir um emprego ou enriquecer, por exemplo. 
Além dos curiosos, os fenômenos também atraíram a atenção de homens de ciência da época. Alguns, ante os fatos, simplesmente os negavam, declarando que o fenômeno não passava de fraude pura e simples, sem antes investigar melhor; outros, mais criteriosos, tomaram todas as precauções para afastar totalmente a possibilidade de fraude. Afastada esta possibilidade, convenceram-se da realidade dos fatos, procurando explicá-los através das mais diversas hipóteses: uns defendiam a atuação dos Espíritos; outros, através da atuação do subconsciente das pessoas presentes nas sessões.

O fenômeno foi registrado em vários livros e muitos jornais da época. 

Com o tempo, as comunicações evoluíram, sob a orientação das próprias inteligências que guiavam as mesas, para um lápis amarrado em uma cesta, segurada por duas pessoas, a escrever em uma folha de papel. Por fim, elas sugeriram  colocar-se um lápis diretamente na mão do médium (pessoa dotada da  sensibilidade  para  comunicar-se com  os Espíritos, em alguns casos capaz de ceder energia para que eles movam objetos, produzam pancadas, etc.), da qual tomariam o controle temporariamente para escrever. Nascia, assim, a psicografia.

Um dos investigadores acima citados, residente em Lyon, França, teve a sua atenção chamada para o fenômeno das “mesas girantes” através de um amigo, que o chamou para assistir a uma sessão. Era Hippolyte León Denizard Rivail, que mais tarde passaria a utilizar o pseudônimo Allan Kardec. Um homem de notável saber e inteligência,  principal discípulo do grande professor Pestalozzi. Rivail era bastante conhecido e respeitado em sua época. Dedicou-se à instrução e à educação durante aproximadamente trinta anos, tendo sido, inclusive, diretor de escola e professor. Escreveu vários livros didáticos sobre diversos assuntos, entre os quais Aritmética, Gramática francesa, Química, Física, Astronomia e Anatomia Comparada. Falava e escrevia em várias línguas, conhecendo bem o alemão, o inglês, o holandês, o latim, o grego e o gaulês.

Quando seu amigo de muito tempo, o Sr. Fortier, o informou que as mesas giravam, flutuavam e percorriam o ar sem nenhum apoio, Allan Kardec logo pensou na hipótese de o fenômeno ter uma causa puramente física. A eletricidade ou o magnetismo, pensou ele, poderiam estar ali atuando de maneira desconhecida. Porém, quando novamente se encontrou como Sr. Fortier, este lhe informou:

“Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde.”

De imediato, a reação de Kardec foi a seguinte declaração: 

“Eu acreditarei quando ver e quando me tiverem provado que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir, e que pode se tornar sonâmbula. Até lá, permita-me que não veja nisso senão uma fábula para provocar o sono”.

Procurando verificar os fenômenos por si mesmo, ele foi assistir a primeira das inúmeras sessões mediúnicas em que esteve presente.

Inicialmente, procurou examinar bem o fenômeno, para ver se descobria alguma fraude. Comprovou que era autêntico.
Vendo que realmente havia uma causa inteligente por trás do fenômeno, pensou na hipótese dele ser dirigido pela mente do médium e das pessoas presentes, só que de forma inconsciente. Depois de muitas observações, durante as várias sessões que participou, viu que esta hipótese não explicava os fatos.

Após assistir a suas primeiras sessões, Kardec teve uma idéia: testar as inteligências invisíveis com perguntas de alto teor cientifico e filosófico. Algumas simples e diretas; outras, com o real propósito de verificar se as respostas se contradiziam e se poderiam ser induzidas pela pessoa que pergunta. Para sua surpresa, muitas das inteligências não se deixavam influenciar, dando respostas inteligentes, ricas de lógica, conhecimentos e moralidade. Observou que uma enorme parte delas não se contradizia, e estavam muito acima da capacidade e conhecimentos dos médiuns e dos presentes nas sessões.
Ele fez estas perguntas para Espíritos que se comunicavam através de vários médiuns (mais de dez médiuns, que não se conheciam e de localidades distantes entre si). Procurava, dessa forma, se certificar de que as comunicações realmente não eram produto da mente dos médiuns e dos presentes nas sessões. Ele selecionou então as perguntas cujas respostas não feriam a lógica e eram coerentes entre si. Porém, Kardec aprendeu tanto com o menor, quanto com o maior dos Espíritos que se comunicavam. Ele escreveu na introdução de “O Livro dos Espíritos”:

“[...] Em alguns casos, as respostas revelam tal cunho de sabedoria, de profundeza e de oportunidade, pensamentos tão elevados e tão sublimes, que não podem emanar senão de uma Inteligência superior, impregnada da mais pura moralidade. De outras vezes são tão levianas, tão frívolas, tão triviais mesmo, que a razão se recusa a acreditar que possam proceder da mesma fonte. Tal diversidade de linguagem não se pode explicar senão pela diversidade das Inteligências que se manifestam.”

Imagine, por um momento, que você quer saber tudo sobre determinado país e seus habitantes. Desconfiado, você não acha suficiente pesquisar na internet, quer o testemunho de pessoas que você conhece e que já estiveram lá. Porém, uma ou duas pessoas lhe contando é muito pouco, pois você quer conhecer o país através do ponto de vista de várias pessoas conhecidas e fazer a comparação. Aí sim, você vai estar seguro.
Eis que, por um golpe de sorte, diversos parentes, amigos e conhecidos já estiveram naquele país, e eles são das mais diversas classes sociais, idades e níveis de instrução. Isto é muito bom, afinal, você quer conhecer o país como um todo e não apenas a parte mais humilde, ou a mais rica. Também quer saber sobre os pontos turísticos, o custo de vida, os programas culturais, clima, costumes, etc. Para sua felicidade, as descrições que todas essas pessoas lhe deram formam um todo coerente, fazendo você visualizar mentalmente o país de forma geral, e também em vários detalhes.
Os relatos coincidem em vários pontos, e muitas das pessoas que você entrevistou são de sua inteira confiança. E veja que você fez essas perguntas por vários anos seguidos!!! Será que você ainda tem alguma dúvida de que sabe muita coisa verdadeira sobre esse país, apesar de nunca ter posto os pés lá?
Admitamos agora a hipótese de que as pessoas possam, após o seu falecimento, comunicar-se conosco e contar tudo o que presenciaram, tudo o que sentiram do outro lado da vida. Admitamos também que essas comunicações só sejam possíveis através da sensibilidade especial de determinadas pessoas (os médiuns), que nos transmitiriam a comunicação recebida através de várias formas, como, por exemplo, a psicografia (método através do qual os Espíritos, pelas mãos dos médiuns, escrevem textos). Como poderíamos saber que aquelas comunicações são realmente de pessoas falecidas e não são produto da mente do médium, ainda que inconscientemente?
Lembremos do que foi dito no início deste texto, quando perguntamos a várias pessoas sobre determinado país que elas conheceram. Poderíamos imaginar agora, no lugar dessas pessoas, vários médiuns, que não se conhecem, de localidades distantes entre si, recebendo comunicações de vários Espíritos cada um, que revelariam as suas impressões acerca do mundo espiritual. Se, de fato, as centenas de comunicações obtidas coincidirem em vários pontos, aliás, na grande maioria deles, e se o teor dessas comunicações estiver muito acima do nível cultural dos médiuns, além de formarem um todo lógico, coerente, teríamos, evidentemente, um retrato muito confiável do que seria a vida pós-morte. As diferenças poderiam, neste caso, ser facilmente atribuídas aos pontos de vista característicos de cada Espírito comunicante, da mesma forma que, na vida material, as pessoas emitem pontos de vista e impressões distintas acerca de um mesmo assunto.

Após suas investigações pessoais, Kardec observou que o conteúdo das comunicações dos Espíritos ia sendo confirmado ao longo do tempo, através de diferentes médiuns de centros espíritas sérios, localizados em várias partes do mundo (cerca de mil centros).

O resultado de suas experiências demonstrava que uma enorme parte dos casos se devia a uma inteligência independente do médium e das pessoas presentes, contrária muitas vezes às convicções religiosas e filosóficas destes, com vontade e personalidade própria. Numerosas vezes dotadas de grande conhecimento, inteligência e moralidade. Isto além do fato de as próprias inteligências insistentemente afirmarem que eram Espíritos, tendo um dia possuído um corpo, nada mais sendo que as almas de pessoas que um dia viveram na Terra. Afirmação esta, diga-se de passagem, feita antes mesmo de alguém pensar nesta hipótese, surgida mesmo em meios totalmente avessos a esta idéia, como ocorreu com a família Fox, que eram protestantes, e muitos outros casos registrados no inicio dos fenômenos espíritas.

As revelações dadas pelos Espíritos possuíam um caráter revolucionário, e ao mesmo tempo profundamente racional. Eles apresentaram um conceito de Deus, da vida e do universo totalmente diversos do que se tinha até então, e a justiça divina nunca se apresentara tão rica em lógica e perfeição. Deus deixava de ser um Pai descontrolado e vingativo, que condenava seus filhos desencaminhados a uma punição eterna, para lhes dar infinitas chances de arrependimento, proporcionando-lhes meios de se reeducarem e conquistarem a perfeição moral e intelectual. Para esse Deus, nenhum de seus filhos seria excluído, por mais tempo que exigisse, da benção de evoluir moral e intelectualmente, estabelecendo a comunhão plena com Ele.
Os Espíritos traziam para a humanidade a possibilidade de crer e ao mesmo tempo compreender.
   
A força que todas estas circunstâncias tinham fizeram Kardec concluir que as inteligências comunicantes eram exatamente o que alegavam ser: pessoas que sobreviveram à morte do corpo físico, conservando intacta a sua alma. Ele constatou imediatamente a grande importância desta revelação, tomando a decisão de publicar as suas conclusões, mas principalmente as revelações dadas pelos Espíritos.

Os Espíritos Superiores informaram a Kardec que ele tinha uma missão a cumprir: divulgar a Doutrina Espírita pelo mundo. Eles prometeram dar todo o apoio durante este trabalho, supervisionando toda a Codificação, quer dizer, a reunião e organização de todos os ensinamentos dados pelos Espíritos Superiores na forma de uma Doutrina.

O primeiro fruto deste trabalho foi "O Livro dos Espíritos", publicado em 1857 e depois bastante ampliado em sua segunda edição de 1860. Trata-se da principal obra do Espiritismo. Com uma excelente introdução filosófica, ele é dividido em 4 (quatro) partes, e cada uma delas foi aprofundada depois, nas obras a seguir :

Das causas primárias - aprofundada em A Gênese, que trata do aspecto científico do Espiritismo;

Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos - aprofundada em O Livro dos Médiuns, que trata da prática espírita, a mediunidade. Verdadeiro manual de instruções para os médiuns e os demais participantes das reuniões mediúnicas;

Das leis morais - aprofundada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, que trata das questões morais e da mensagem de Jesus à luz da Doutrina Espírita;

Das esperanças e consolações – aprofundada em O Céu e o Inferno, que trata do estudo sobre a Justiça Divina, mostrando que o céu e o inferno são construções mentais de cada um.

As obras acima citadas formam a base da Doutrina Espírita. São conhecidas no meio espírita como o Pentateuco Kardequiano. Também foram publicadas obras complementares, como por exemplo: "O que é o Espiritismo" – onde Kardec rebate as principais objeções formuladas contra a Doutrina Espírita, contendo ainda a biografia de Allan Kardec; "Obras Póstumas" – concebido após sua morte e compilado por sua esposa e outros companheiros de ideal espírita, reunindo anotações não publicadas de Kardec; a Revista Espírita, periódico que servia como “laboratório” para o codificador, onde ele expunha suas hipóteses, idéias, publicava novas comunicações mediúnicas e notícias acerca do movimento espírita.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

KARDEC, AllanO Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB;


2 ______________. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, [2003];


3. ______________.O Livro dos Médiuns: ou guia dos médiuns e evocadores: espiritismo experimental Rio de Janeiro: FEB, [1997];

4 ______________. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 3.ed.São Paulo: Petit, [1997];


5 _______________. O Que é o Espiritismo: o espiritismo em sua mais simples expressão. 43. ed. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, [2000];

6 TORCHI, Christiano. Espiritismo passo a passo com Kardec.  Rio de Janeiro: FEB;


7 ANDRADE, Hernani Guimarães. Parapsicologia: uma visão panorâmica. São Paulo: FE, 2002;



8 WANTUIL, Zêus.  As mesas girantes e o Espiritismo. 1 ed.Rio de Janeiro: FEB, [1957];


9 WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: Pesquisa bibliográfica e ensaios de interpretação. Vol II.1 ed.Rio de Janeiro.FEB, [1980].

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