segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A INFELICIDADE VERDADEIRA



Fábio José Lourenço Bezerra

No nosso texto anterior, de título Os Sofrimentos, neste blog, procuramos mostrar as causas dos sofrimentos humanos. Mas seriam estes os sofrimentos reais? Os que nos assolam enquanto vestimos o veículo físico?
Abaixo transcrevemos, para reflexão, a esclarecedora mensagem do Espírito Delphine de Girardin, psicografada em Paris, em 1861, que consta na obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Capítulo V, sob o título “A DESGRAÇA REAL”:

“Toda a gente fala da desgraça, toda a gente já a sentiu e julga conhecer-lhe o caráter múltiplo. Venho eu dizer-vos que quase toda a gente se engana e que a desgraça real não é, absolutamente, o que os homens, isto é, os desgraçados, o supõem. Eles a vêem na miséria, no fogão sem lume, no credor que ameaça, no berço de que o anjo sorridente desapareceu, nas lágrimas, no féretro que se acompanha de cabeça descoberta e com o coração despedaçado, na angústia da traição, na desnudação do orgulho que desejara envolver-se em púrpura e mal oculta a sua nudez sob os andrajos da vaidade. A tudo isso e a muitas coisas mais se dá o nome de desgraça, na linguagem humana. Sim, é desgraça para os que só vêem o presente; a verdadeira desgraça, porém, está nas conseqüências de um fato, mais do que no próprio fato. Dizei-me se um acontecimento, considerado ditoso na ocasião, mas que acarreta conseqüências funestas, não é, realmente, mais desgraçado do que outro que a princípio causa viva contrariedade e acaba produzindo o bem. Dizei-me se a tempestade que vos arranca as árvores, mas que saneia o ar, dissipando os miasmas insalubres que causariam a morte, não é antes uma felicidade do que uma infelicidade?
 Para julgarmos de qualquer coisa, precisamos ver-lhe as conseqüências. Assim, para bem apreciarmos o que, em realidade, é ditoso ou inditoso para o homem, precisamos transportar-nos para além desta vida, porque é lá que as conseqüências se fazem sentir. Ora, tudo o que se chama infelicidade, segundo as acanhadas vistas humanas, cessa com a vida corporal e encontra a sua compensação na vida futura.
Vou revelar-vos a infelicidade sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que acolheis e desejais com todas as veras de vossas almas iludidas. A infelicidade é a alegria, é o prazer, é o tumulto, é a vã agitação, é a satisfação louca da vaidade, que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que atordoam o homem com relação ao seu futuro. A infelicidade é o ópio do esquecimento que ardentemente procurais conseguir. Esperai, vós que chorais! Tremei, vós que rides, pois que o vosso corpo está satisfeito! A Deus não se engana; não se foge ao destino; e as provações, credoras mais impiedosas do que a matilha que a miséria desencadeia, vos espreitam o repouso ilusório para vos imergir de súbito na agonia da verdadeira infelicidade, daquela que surpreende a alma amolentada pela indiferença e pelo egoísmo.
Que, pois, o Espiritismo vos esclareça e recoloque, para vós, sob verdadeiros prismas, a verdade e o erro, tão singularmente deformados pela vossa cegueira! Agireis então como bravos soldados que, longe de fugirem ao perigo, preferem as lutas dos combates arriscados à paz que lhes não pode dar glória, nem promoção! Que importa ao soldado perder na refrega armas, bagagens e uniforme, desde que saia vencedor e com glória? Que importa ao que tem fé no futuro deixar no campo de batalha da vida a riqueza e o manto de carne, contanto que sua alma entre gloriosa no reino celeste?”

 Delfina de Girardin. (Paris, 1861)


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB [2007].

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

ILUSTRE TEÓLOGO PROTESTANTE CONFIRMOU: OS FENÔMENOS ESPÍRITAS EXISTEM


O Professor Haraldur Nielsson

Fábio José Lourenço Bezerra

   O eminente Teólogo protestante islandês, Haraldur Nielsson, foi Professor de Teologia na Universidade da Islândia e teve a confiança da Sociedade Bíblica Inglesa para traduzir o Velho Testamento para o Islandês. Ele dedicou-se, durante vários anos, a partir de 1904, às pesquisas psíquicas, com o auxílio de vários médiuns, comprovando a realidade dos fenômenos Espíritas (Ver o texto O Que São Médiuns?, neste blog). Presenciou, mediante fiscalização criteriosa, vários tipos destes fenômenos, como, por exemplo, a incorporação de médiuns por Espíritos, que deram provas de suas identidades, levitações e transporte de objetos, mesmo através de ambientes fechados, e materializações de Espíritos. Tudo isso, muitas vezes, sob o olhar de várias testemunhas.
Através do resultado de suas experiências, e sendo um grande conhecedor da Bíblia, chegou à conclusão de que o Espiritismo é compatível com os ensinamentos do Cristo e com as práticas adotadas pelos apóstolos e os primeiros cristãos.
Apesar de duramente atacado e perseguido pelo clero protestante, ele jamais deixou de lado suas convicções e seu esforço em defesa da realidade dos fenômenos espíritas.
  
Vejamos, a respeito destas pesquisas, o que o próprio professor Nielsson escreveu, no seu livro “O Espiritismo e a Igreja”, que reúne três conferências realizadas pelo autor:

“[...]...não foi nem um único fenômeno, nem um acontecimento determinado, que me deu esta firme convicção, mas a observação do seu processo e do seu conjunto. Vi os fenômenos em sua origem, em sua plenitude e em seu desaparecimento. Observei-os quando o poder do médium estava no seu apogeu e quando prestes a desaparecer. É por isso que todos aqueles que experimentaram com Indridasson durante um certo tempo chegaram, como eu, ao conhecimento (apesar de bastante limitado), à compreensão de fenômenos que de outra maneira não se explicariam. Para dizer tudo, experimentei na Islândia com dez médiuns e tomei parte em várias sessões com quinze médiuns, na Inglaterra.
A maior parte desses médiuns eram ingleses, porém alguns americanos.
Quanto mais me entregava às pesquisas psíquicas, quanto mais lia os estudos dos outros (e sobre o assunto li muito) melhor compreendia ser indubitável que a comunicação entre os espíritos desencarnados e os encarnados só se estabelece com grandes dificuldades. Mas, ao mesmo tempo, compreendi claramente que as outras explicações eram insuficientes e que somente a hipótese espírita permite abraçar todos os fenômenos.”
“[...] A resistência que encontram sempre as ciências psíquicas provém principalmente da falta de conhecimentos. A maior parte dos homens é, nesse domínio, completamente ignorante e assim deixa-se facilmente espantar pelos esforços da imprensa em ridicularizar essas coisas.
Existem poucos que tenham tido oportunidade de observar os mais convincentes e importantes fenômenos, por isso não é extraordinário que não estejam convencidos de que, pelo menos, alguns desses fatos provenham de um mundo desconhecido.”

Sobre o Espiritismo, ele diz, na segunda parte da mesma obra:

“Os homens sentem que o Espiritismo lhes traz algo de novo, que lhes dá qualquer coisa que constitui o seu último anseio, porque a grande questão não é, ainda hoje, menos importante: “Nossa vida acaba no túmulo, ou há uma região além da morte? E se há uma vida depois da morte, como é essa vida? E podemos, na verdade, entrar em relação com aqueles que já provaram o que seja a morte e que assim conseguiram saber um pouco mais sobre essa existência?
Sabemos todos que à Igreja tem sido possível responder, com segurança, sim à primeira parte dessas questões, porém exige que sua resposta seja aceita pela fé.  A última parte, isto é, se podemos entrar em contato com os mortos, responde não. Provas de sua afirmativa? Não as tem e alguns dos seus servidores, em geral, nutrem certa desconfiança por quaisquer provas sobre o assunto. São de opinião que, na matéria, somente a fé pode ajudar-nos. Não parece terem compreendido que o Cristianismo não começou apenas pela crença na ressurreição, mas sim pelo conhecimento dos fatos que a comprovam.
Se houvéssemos interrogado o apóstolo Paulo, para sabermos se ele acreditava na ressurreição, ter-nos-ia certamente respondido: “Não, crer não é bem o termo a se empregar a tais fatos; tenho sim conhecimento deles. Não creio apenas, mas sei, porque eu próprio vi várias vezes o Ressuscitado e lhe falei”.
Paulo e os cristãos primitivos acreditavam em uma incessante comunicação com um mundo invisível, mais evoluído do que o nosso. É essa mesma comunicação que os espíritas reataram. Há já mais de 70 anos que eles anunciaram essa descoberta, mas, em regra geral, só tem encontrado desprezo e cólera por parte da Igreja, como em toda a parte. Finalmente conseguiram atrair a atenção de alguns homens de ciência e, desde que esses iniciaram investigações e que muitos dentre eles chegaram à mesma convicção, a causa espírita fez notável progresso. As pesquisas dos sábios acerca dos fenômenos espíritas e as declarações espíritas foram estimuladas pelos estudos psíquicos.
Falando esta noite sobre a Igreja e as pesquisas psíquicas, penso nos resultados que tem sido obtidos por investigadores como Sr.William Crookes, Sir Oliver Lodge, Sir William Barret, o psiquista italiano Lombroso, o filósofo norte-americano Prof.James H. Hyslop, o fisiologista francês Charles Richet e o médico norte-americano, mundialmente conhecido, Adolph Knopf. Cito apenas estes como exemplos.
Poderia acrescentar ainda os nomes de uma plêiade de sábios de renome que alcançaram, todos, o mesmo resultado. Mas não é necessário: são assaz conhecidos vossos.” (Ver o texto Ilustres Cientistas Confirmaram: A Alma Sobrevive à Morte, neste blog).
   “[...]Tenho bastas vezes considerado o tempo que seria preciso aos eclesiásticos para se aperceberem de que o Espiritismo superior é parente próximo do Cristianismo primitivo.
          Que seja difícil a leigos descobri-lo, explica-se pelo pequeno conhecimento que têm eles do Novo Testamento. A verdade é que estudamos nas faculdades de Teologia da maior parte das Universidades com os óculos da dogmática. Assim era, pelo menos, no meu tempo, nas Universidades de Copenhague, na Dinamarca; de Halle, na Alemanha e de Cambridge, na Inglaterra. Não temos, porém, o direito de esquecer que, evidentemente, o ensino ortodoxo da Igreja é, em vários pontos, um tanto diferente do ensino ministrado pelo Cristo.
         Muitos leigos acreditam que era Jesus em pessoa e somente ele que operava maravilhas e que os milagres se produziam somente por ele e com ele; entretanto o Novo Testamento nos ensina algo um tanto diferente. Logo da primeira vez que ele enviou os seus apóstolos, não foi somente para espalharem o Evangelho, mas também para fazerem milagres. O Evangelho segundo Mateus refere que Jesus lhes disse: “Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios (Mateus, X, 8). E alegres porque possuíam tal poder, voltaram da primeira viagem. O Evangelho segundo Marcos faz notar ter Jesus prometido que tais sinais seguirão, em todos os tempos, os que tiverem fé. O Evangelho segundo João nos transmite a expressão de Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e as fará maior do que estas, pois que eu me vou para o Pai (João,XIV, 12)”.
Também os Atos dos Apóstolos nos falam dos milagres que foram praticados pelos apóstolos e não conheço outros escritos que contenham tantas narrações desses fatos, que muitos chamam hoje, com desprezo, de fenômenos espíritas. Se a crença nos espíritos se baseia em algum documento, é, por certo, nesse incomparável e inestimável relato, nessa descrição da primeira comunidade cristã.
Os Atos dos Apóstolos tratam, em seguida, de aparições, de revelações, de profecias, de curas pela força espiritual, de materializações (aparições de anjos) e magníficas levitações.
Duas dessas narrativas ferem-nos, particularmente, a atenção: a narrativa do segundo capítulo sobre as maravilhas da Pentecostes (o ruído que vinha do céu como o de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discursos dos apóstolos em diversos idiomas ou fenômeno de xenoglossia); e a bela narração do 12º capítulo: como se mostrou o anjo a Pedro na prisão, o despertou levemente e o fez sair através de portas fechadas e sólidas muralhas, depois do que desapareceu, deixando Pedro na rua, completamente desperto, ante os muros da prisão.
Nos meus primeiros anos de ensino teológico, quando eu explicava aos alunos do seminário de Reykjavik essa passagem e fazia notar que aí estava, seguramente, a narração de um acontecimento tão real quanto tantos outros produzidos no século XIX, um dos discípulos obtemperou: “O apóstolo Pedro não tem grande mérito em ter tamanha fé se lhe foi dado realizar tal prodígio. Eu também teria uma fé imensa se dado me fosse realizar semelhante fato”.
Ocorre, então, perguntar: Em que Igreja há hoje ocasião de se fazerem tais experiências ou de se realizar coisa semelhante? Creio ser forçado a responder: Em nenhuma. Entretanto, os espíritas, na América, na Inglaterra e na França, vêm repetindo há mais de meio século: Vinde a nós e vereis e realizareis um pouco de tudo isso. Mostrar-vos-emos nas nossas assembléias o mesmo serviço divino dos primeiros cristãos, do qual nos fala o Novo Testamento”.
É possível que alguns sacudam a cabeça em sinal de incredulidade, mas devemos primeiramente representar com clareza o que eram as reuniões dos primeiros cristãos, muito diferentes do culto divino que se celebra hoje nas igrejas. Delas nos deu o apóstolo Paulo, em suas epístolas, uma clara descrição, principalmente na 1º Epístola aos Coríntios, a qual, certamente,conheceis.
Naqueles tempos não havia nenhum pregador preparado que pregasse às assembléias com vestes sacerdotais, mas se escutava atentamente o que tinham a dizer os profetas ou outros homens possuidores de dons espirituais. E os dons celestes dessas pessoas inspiradas podiam ser e eram de várias espécies. A seu respeito assim se exprime Paulo: “A um é dado pelo espírito a palavra da sabedoria; a outro porém a palavra da ciência, segundo o mesmo espírito; a outro a fé, pelo mesmo espírito; a outro o dom de curar enfermidade em um mesmo espírito; a outro a operação de maravilhas; a outro a profecia; a outro o discernimento dos espíritos; a outro a variedade de línguas e a outro a interpretação das palavras” (I Coríntios, XII, 8, 9, 10). E não devemos esquecer que esses homens inspirados, na maior parte das vezes, se achavam em um estado particular. Pessoas que vinham ouvi-los acharam tão estranho tal estado que julgavam estivessem eles loucos ou ébrios. Acontecia em suas reuniões que, uns após outros, sofressem essas influências; por vezes mesmo, uma terrível confusão se produzia porque vários desses inspirados falavam ao mesmo tempo, por isso teve o apóstolo necessidade de fixar regras para conservar a mais completa disciplina. Vede o que ele diz: “Que fareis, pois, meus irmãos? Se, quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem língua estranha, tem revelação, tem interpretação” (I Coríntios, XIV, 26).
Assim ele fixou regras para que, numa mesma comunidade, fosse apenas permitido a dois ou, no máximo, a três falarem diversas línguas, um após o outro, devendo um outro interpretar os discursos. E para os profetas a mesma ordem: “Que só dois ou três falem e que os outros julguem o que ouvirem”.
Mas o que se devia julgar? A coisa não era assim tão simples.Os primeiros cristãos acreditavam que eram verdadeiros espíritos que falavam por esses indivíduos especiais, sejam eles designados pelo nome de profetas ou por outro nome.
Os gregos tinham um nome comum para todos: Pneumáticos, aqueles que eram dirigidos pelo espírito, ou talvez mais exatamente: aqueles que estavam sob a influência de um espírito ou de um anjo.
Paulo exprime-se tão claramente em dois versículos que não se pode deixar de compreendê-lo. Diz ele que é possível manter a boa ordem nas reuniões, com facilidade, porque “os espíritos dos profetas estão submetidos aos profetas” (I Coríntios, XIV,32).
E, em outra passagem do mesmo capítulo, diz: “Assim também vós, pois que aspirais dons espirituais (isto é, desenvolver a mediunidade e entrar em relação com os espíritos) seja isto para edificação da Igreja e que os procureis possuir em abundância (I Coríntios, XIX, 12).
No texto grego consta espíritos e não dons espirituais como menciona a tradução dinamarquesa da Bíblia. Em muitas traduções da Bíblia, esta passagem está vertida em sentido confuso, apesar de não haver a menor dúvida quanto à verdadeira significação dos termos gregos do texto original: epei zelotai este pneumaton.
Os tradutores e os revisores da Bíblia nem sempre têm tido acoragem de traduzir com exatidão as Escrituras Sagradas, o que não nos causa espanto. Os teólogos prenderam os seus sistemas dogmáticos em pesadas e estreitas cadeias. Por outro lado, leigos ortodoxos, em muitos países, não podem suportar a verdadeira tradução por julgarem que ela destrói os seus dogmas. Tenho alguma experiência sobre o assunto e falo do que conheço.
Segundo a concepção dos tempos apostólicos, os espíritos podiam ser bons ou maus, isto é, muito evoluídos ou inferiores e atrasados.
Podia acontecer mesmo se manifestarem espíritos com os quais ninguém desejasse entrar em relação. Esses tais impunham-se com insolência, vinham sem ser evocados, exatamente da mesma maneira como acontece nas reuniões espíritas ou nos lugares onde os pesquisadores psíquicos fazem experiências com médiuns e, mais freqüentemente, nos casos em que estes possuem ótimas faculdades mediúnicas para manifestações físicas. É por isso que o autor da 1ª Epístola de João recomenda aos seus leitores não terem confiança em todos os espíritos: “Caríssimos, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus” (João, IV, 1) e adiante acrescenta: “porque foram muitos os falsos profetas que se levantaram no mundo”.
Acreditava-se que havia falsos profetas, isto é, homens influenciados por espíritos impuros e mentirosos, sem que eles mesmos o suspeitassem, certamente por serem médiuns inconscientes.
Também se considerava muito importante haver uma regra determinada para se experimentarem os espíritos. O apóstolo Paulo prescreve tal regra à sua Igreja: “Portanto vos faço saber que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz anátema a Jesus. E ninguém pode dizer Senhor Jesus senão pelo Espírito Santo (ICoríntios, XII, 3).
Meus caros ouvintes, isto vos parece, certamente, espantoso,mas é a pura verdade. Nas assembléias dos primeiros cristãos podia acontecer que uma inteligência, falando por um profeta inspirado – empregado o termo profeta na sua mais larga acepção –, lançasse maldição sobre o Cristo. A regra dada por Paulo não tem por si nenhuma eficácia, mas fornece um testemunho da compreensão que então se tinha dessas coisas. Os profetas ou pneumáticos dos tempos apostólicos ou dos primeiros cristãos são a mesma espécie de indivíduos a que, presentemente, chamamos médiuns ou sujets psíquicos. A tal respeito nenhuma dúvida subsiste entre os que têm estudado as duas partes: tanto os fenômenos que o Novo Testamento relata como os fenômenos psíquicos que o Espiritismo agora apresenta.
     Todos os dons espirituais de que fala Paulo, ora atribuídos aos médiuns atuais, eram bem conhecidos.
A mediunidade tem numerosas modalidades, exatamente como os dons espirituais do tempo de Paulo. E quem eram, afinal, esses indivíduos inspirados, segundo a concepção apostólica? É isso justamente o que hoje significa a palavra médium.
Alguns dos meus honrados ouvintes pensarão, talvez, que a mediunidade deve ser olhada como coisa insignificante ou desprezível. Penso de maneira diametralmente oposta. Estão possivelmente próximos da verdade os que julgam ser ela, de algum modo, a demonstração do desenvolvimento espiritual e que toda a humanidade, no futuro, possuirá esses dons, já previstos por muitos profetas do Antigo Testamento.
Creio ter sido Sr. Arthur Conan Doyle quem denominou a mediunidade uma faculdade sagrada e nesse ponto parece-me estar ele de acordo com o apóstolo Paulo, que chamava essas misteriosas forças dons espirituais (charismata).
Considerava ele, portanto, como uma graça particular de Deus o ser alguém provido desses dons. Seguramente era por essa razão que os apóstolos possuíam essas faculdades pelas quais podiam entrar em relação com o Mestre bem amado, depois de ter ele sofrido a humilhante e dolorosa morte na cruz.
Talvez alguns dentre vós não tenhais jamais assistido a uma sessão experimental com um médium em transe. Pensareis, bem provavelmente, que será uma coisa maravilhosa ir a uma sessão espírita e ouvir falar um médium de incorporação. Imaginai, agora, como ficaríeis espantados se estivésseis na sala incontestavelmente simples em que se realizavam as reuniões da Igreja de Corinto e escutásseis os pneumáticos discorrerem em êxtase (isto é, em transe), se os ouvísseis descreverem as visões e as revelações que obtinham. Mas o que mais vos espantaria seria ver o apóstolo Paulo e ouvi-lo falar em diferentes línguas, pois que nisso o Novo Testamento proclama ser ele um mestre. Segundo a Escritura Sagrada, ele possuía, no mais alto grau, todos os dons espirituais, porém se vós estais tomados de espanto, deveis também ficar estupefatos porque tanto um comoo outro desses fenômenos se produziam no estado de transe.
O 13º capítulo da 1ª Epístola aos Coríntios, o cântico sobre o amor, nos faz perceber com que ardor e com que inspiração ele falava quando se achava sob a influência de um mundo superior. O próprio Paulo nos diz que estava freqüentemente em transe. O apóstolo Pedro conta-nos a mesma coisa. Na tradução dinamarquesa da Bíblia inglesa encontrá-la-eis muitas vezes. Da própria Bíblia foi que o termo transe (êxtase) passou para a linguagem comum.
Compreendeis agora porque devem ser identificados os espíritos e também experimentados. Isto se fazia, provavelmente, pela clarividência (tal qual hoje) que Paulo considerava como o melhor auxílio nessas relações. Comparai agora tudo isso com o que se passa atualmente nas sessões espíritas. Do que aprendi posso assim ensinar: Quando a faculdade mediúnica está bastante desenvolvida para permitir uma comunicação verdadeira, as inteligências que se manifestam pelo médium e que exercem sobre ele sua ação pedem que se entoem cânticos ou que se façam preces, e isso a fim de que o ambiente fique tão harmonioso quão possível e que todos os assistentes sintam a maior simpatia uns pelos outros. Essas relações harmoniosas e fraternas ajudam os bons espíritos nos seus esforços para estabelecer uma comunicação perfeita e afastar os espíritos inferiores que procuram, com afã, captar forças em seu proveito, para fazerem o mal.
Penso, por esta razão, que devemos ser muito prudentes, especialmente no começo, quando nos queiramos ocupar de experiências psíquicas ou de sessões espíritas.
Estou convencido de que o médium pode sofrer com isso se não tivermos a previdência e a vigilância necessárias. A organização das sessões é uma coisa muito séria e a tais sessões deveríamos ir sempre com o mesmo sentimento piedoso que, em geral, nos inunda quando entramos na Igreja.
Ninguém deveria ocupar-se dessas experiências sem conhecimento do assunto. Em particular, todas as naturezas, que não fossem harmoniosas, deveriam manter-se afastadas. Não é demais relembrar que a possessão é uma realidade e que o médium e talvez mesmo um dos assistentes podem cair sob a influência de espíritos atrasados, se houver facilidade para isso.
Sei, é verdade, que muitos teólogos modernos, não somente das universidades alemãs, negam grande parte dos milagres do Novo Testamento ou continuam a explicá-los como dantes, notadamente a cura do possesso pelo Cristo. Eles crêem que o Cristo se enganou e agiu, neste caso, como um homem do seu tempo. Estou convencido de que as pesquisas psíquicas darão razão ao Cristo e aniquilarão o racionalismo superficial que, no fundo, é apenas fruto da psicologia materialista de nossa época.
O Espiritismo tem sustentado, desde o seu advento, a exatidão da concepção do Novo Testamento sobre esse caso.
Dois dos mais eminentes psiquistas americanos, o Dr. James H. Hyslop e o Dr. Walter F. Prince, escreveram importante trabalho para demonstrar a realidade da possessão em nossos dias.
Penso agora, mais do que nunca, no grosso volume sobre a Srta. Doris Fisher (The Doris Fisher Case), mas os teólogos racionalistas parecem nem sequer suspeitar da existência de tais obras. Continuam a ver nos relatos do Novo Testamento, sobre os milagres, apenas um resto de superstições. E continuam a ensinar-nos que podemos considerar o Cristo como o grande Mestre e Salvador de toda a Humanidade, mesmo que ele se tenha enganado sobre tão graves questões, mesmo que ele haja pensado que expulsara espíritos quando não fazia mais do que
fustigar, pela sugestão do inconsciente, a vontade flácida e os nervos esgotados de pessoas fracas. Pensai bem como todo esse raciocínio é absurdo, como podemos nós dizer do Cristo tais coisas e assim mesmo nos ser ainda possível crer nele!
Não! A verdade é que muitas coisas, na concepção da teologia moderna a respeito do sobrenatural, ou mais exatamente sobre o supranormal, enterraram a crença no Cristo que o Novo Testamento sempre nos mostrou. Por isso penso também que a Igreja cristã devia ser grata aos pesquisadores psíquicos por tudo quanto eles têm feito em favor da reabilitação da Bíblia. Muitos deles têm declarado que, apesar de terem sido outrora completamente agnósticos, não encontraram mais obstáculos à aceitação de todos os fatos do Novo Testamento.
Conquanto, após 17 anos de pesquisas nesse terreno, eu não tenha a menor dúvida de que os primeiros cristãos acreditavam ter relações com o mundo invisível, sou, entretanto, de opinião que as suas representações da vida espiritual foram muito imprecisas, o que é, aliás, muito natural. Nosso conhecimento das leis do Universo é consideravelmente mais vasto do que o seu. Que progresso enorme fez a humanidade no transcurso das últimas gerações! Entretanto somos ainda bastante ignorantes nesse assunto. Sim, esta espécie de pesquisas apresenta-se bem difícil, e, mais especialmente ainda, quanto às relativas aos fenômenos ditos psicofísicos.”
“[...]Vê-se muito bem que os fenômenos mencionados no Novo Testamento são os mesmos verificados hoje, efetivamente, pelos investigadores científicos; eis o que deveria despertar o interesse dos homens da Igreja.”
“[...]Quando obtemos provas da existência de um mundo espiritual e da possibilidade de entrarmos em comunicação com os mortos, não há a menor razão para duvidarmos de que certos indivíduos tenham podido estar em relação com o mundo dos espíritos, tanto na época do Antigo Testamento como nos dias dos apóstolos. E não se diga que são apenas os “espíritas, pobres de espírito” que crêem na possibilidade da “comunicação” entre nós e os nossos queridos mortos, pois muitos e notáveis homens de ciências são da mesma opinião.”

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

NIELSSON, Haraldur. O Espiritismo e a Igreja. Editora Correio fraterno.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

SATANÁS E SEUS DEMÔNIOS EXISTEM ? – PARTE 2



Fábio José Lourenço Bezerra

            No nosso texto anterior Satanás e Seus Demônios Existem?, neste blog, vimos como se originou a lenda de Satanás e os seus anjos caídos, a partir do contato dos Hebreus com os Persas, durante o exílio na Babilônia, e do nome Lúcifer, criado por São Jerônimo ao traduzir os textos Bíblicos para o latim. Agora, vamos examinar o problema da existência de Satanás e seus anjos caídos, a partir da lógica.
            Vamos começar a análise lógica a partir destes atributos de Deus: Todo-Poderoso, Soberanamente Justo e Bom. Comparemos estes atributos com o que certas denominações religiosas ensinam sobre os anjos. Afinal, para eles, Satanás é um anjo que se rebelou contra Deus, sendo condenado a reinar no inferno, levando com ele um séquito de anjos rebeldes, que se tornaram demônios. Segundo essa crença, nem Satanás, nem seus demônios, por mais que se arrependam, mesmo que se disponham a compensar os seus erros, não terão direito à reabilitação junto a Deus.
            Os anjos seriam criados por Deus já perfeitos, plenos de sabedoria e bondade, já em contato direto com Ele, vivendo no Céu desde o início. Já nós, seres humanos, nascemos todos os dias imperfeitos, sujeitos, muitas vezes, aos sofrimentos que o mundo e as doenças podem proporcionar. Além disso, com grande possibilidade de pecar e ir sofrer eternamente no inferno. Ora, se Deus é soberanamente justo e bom, será que ele criaria seres em tão grande desigualdade de condições? Onde estaria o mérito dos anjos para terem a perfeição e habitar junto a Deus?
Uma lógica simples nos diz que essa visão dos anjos é falha. Acontece que os anjos, ao se apresentarem aos homens, na antiguidade, já possuíam os atributos da sabedoria e da bondade. Daí a pensarem que eles foram assim desde o início. Não é de admirar que pensassem assim, pois sua concepção de Deus era semelhante à dos Reis da época, homens muitas vezes cruéis, impiedosos e orgulhosos, que gostavam de ser bajulados, e que distribuíam favores a quem bem entendessem, mesmo que essa distribuição não fosse justa. Os povos da antiguidade não tinham, ainda, a capacidade de compreender um Criador Infinitamente justo e bom.
O mesmo aconteceu com os Espíritos maus. Pensaram que eles, desde a sua criação, foram maus e assim sempre seriam, daí a crença vulgar nos demônios. Ora, que Deus bom e justo seria esse, que criaria seres assim, sem capacidade de se regenerar e seguir o caminho do bem? Mesmo no caso de se arrependerem do mal que praticaram, não poderem se reabilitar perante Deus?  
A Doutrina Espírita nos ensina que todos os Espíritos são criados simples e ignorantes, e gradualmente, à custa de seus esforços, adquirem sabedoria e bondade, tornando-se anjos. Nenhum Espírito tem privilégio neste processo. Assim, atingir a felicidade no seio de Deus é mérito deles mesmos, e não às custas de um favor injusto, que exclua os demais . Além do que, nenhum deles estará sujeito, caso falhem na caminhada, a um sofrimento eterno, pois, devido à sua bondade, Deus dá infinitas chances de reabilitação ao Espírito, rumo à perfeição. Sendo justo, criou a lei na qual cada um responde pelos seus atos, sofrendo aquilo que fez o seu próximo sofrer, ou reabilitando-se ao fazer o bem. Evolui pelo amor ou pela dor.
Para o Espiritismo, os anjos são Espíritos que já atingiram a perfeição. Já os demônios, no sentido vulgar do termo, seriam Espíritos ainda muito imperfeitos, sem a luz do bem em seus corações, mas capazes de se arrepender, reabilitar-se e trilhar o caminho do bem.  
Vejamos o que o grande mestre Allan Kardec tem a nos dizer sobre Satanás e os seus demônios, na sua obra “O Céu e o Inferno”, no capítulo IX:
“Se Satã e os demônios eram anjos, eles eram perfeitos; como, sendo perfeitos, puderam falir a ponto de desconhecer a autoridade desse Deus, em cuja presença se encontravam? Ainda se tivesse logrado uma tal eminência gradualmente, depois de haver percorrido a escala da perfeição, poderíamos conceber um triste retrocesso; não, porém, do modo por que no-los apresentam, Isto é, perfeitos de origem.
A conclusão é esta: - Deus quis criar seres perfeitos, porquanto os favorecera com todos os dons, mas enganou-se: logo, segundo a Igreja, Deus não é infalível!
Pois nem a Igreja e nem os sagrados anais explicam a causa da rebelião dos anjos para com Deus e apenas dão como problemática (quase certa) a relutância no reconhecimento da futura missão do Cristo, que valor – perguntamos – que valor pode ter o quadro tão preciso e detalhado da cena então ocorrente? A que fonte recorreram, para inferir se de fato foram pronunciadas palavras tão claras e até simples colóquios? De duas uma: ou a cena é verdadeira ou não é. No primeiro caso, não havendo dúvida alguma, por que a Igreja não resolve a questão? Mas se a Igreja e a História se calam, se a coisa apenas parece certa, claro, não passa de hipótese, e a cena descritiva é mero fruto da imaginação.”
Abaixo transcrevemos a passagem do Velho Testamento Isaías 14, 11 e seguintes, para entender as suas palavras que transcrevemos logo após.  Essa passagem Bíblica, referente à queda do orgulhoso rei Babilônico, que se colocava acima de Deus, e que escravizara o povo Hebreu durante o exílio na Babilônia, foi a base da Igreja para, erroneamente, adotar a crença na queda de Satanás- Lúcifer (palavra criada por São Jerônimo, como vimos no texto anterior). Vejamos a passagem:
“Teu orgulho foi precipitado nos infernos; teu corpo morto baqueou por terra; tua cama verterá podridão, e vermes tua vestimenta. Como caíste do céu, Lúcifer (astro brilhante), tu que parecias tão brilhante ao romper do dia? Como foste arrojado sobre a Terra, tu que ferias as nações com teus golpes; que dizias de coração: subirei aos céus, estabelecerei meu trono acima dos astros de Deus, sentar-me-ei acima das nuvens mais altas e serei igual ao Altíssimo! E todavia foste precipitado dessa glória no inferno, até o mais fundo dos abismos. Os que te virem, aproximando-se, encarar-te-ão, dizendo: “Será este o homem que turbou a Terra, que aterrou seus reinos, que fez do mundo um deserto, que destruiu cidades e reteve acorrentados os que se lhe entregaram prisioneiros?
Logo podemos ver, pelas palavras grifadas no texto, que trata-se do Rei, e não de Satanás. Mas continuemos com Kardec:
“[...] As palavras atribuídas a Lúcifer revelam uma ignorância admirável num arcanjo que, por sua natureza e grau atingido, não deve participar, quanto à organização do Universo, dos erros e dos prejuízos que os homens têm professado, até serem pela Ciência esclarecidos. Como poderia, então, dizer que fixaria residência acima dos astros, dominando as mais elevadas nuvens?!
É sempre a velha crença da Terra como centro do Universo, do céu como formado de nuvens estendendo-se às estrelas, e da limitada região destas, que a Astronomia nos mostra disseminadas ao infinito no infinito espaço! Sabendo-se, como hoje se sabe, que as nuvens não se elevam a mais de duas léguas da superfície terráquea, e falando-se em dominá-las por mais alto, referindo-se a montanhas, preciso fora que a observação partisse da Terra, sendo ela, de fato, a morada dos anjos. Dado, porém, ser esta região superior, inútil fora alçar-se acima das nuvens. Emprestar aos anjos uma linguagem tisnada de ignorância, é confessar que os homens contemporâneos são mais sábios que os anjos. A Igreja tem caminhado sempre erradamente, não levando em conta os progressos da Ciência.”
Falar conforme as idéias humanas vigentes em sua época seria bastante natural, uma vez que se tratava do rei babilônico, e não de Satanás.
“[...] Admitindo a falibilidade dos anjos como a dos homens, a punição é consequência, aliás justa e natural, da falta; mas se admitirmos concomitantemente a possibilidade do resgate, a regeneração, a graça, após o arrependimento e a expiação, tudo se esclarece e se conforma com a bondade de Deus. Ele sabia que errariam, que seriam punidos, mas sabia igualmente que tal castigo temporário seria um meio de lhes fazer compreender o erro, revertendo ao fim em benefício deles. Eis como se explicam as palavras do profeta Ezequiel: - ‘Deus não quer a morte, porém a salvação do pecador.’
A inutilidade do arrependimento e a impossibilidade de regeneração, isso sim, importaria a negação da divina bondade. Admitida tal hipótese, poder-se-ia mesmo dizer, rigorosa e exatamente, que estes anjos desde a sua criação, visto Deus não poder ignorá-lo, foram votados à perpetuidade do mal, e predestinados a demônios para arrastarem os homens ao mal.
“[...] Por esta doutrina, apenas uma parte dos demônios está no inferno; a outra vaga em liberdade, envolvendo-se em tudo que aqui se passa, dando-se ao prazer de praticar o mal até o fim do mundo, cuja época indeterminada não chegará tão cedo, provavelmente. Mas, por que uma tal distinção? Serão estes menos culpados? Certo que não, a menos que se não revezem, como se pode inferir destas palavras (da Igreja): “Enquanto uns ficam na tenebrosa morada, servindo de instrumento da justiça divina contra as almas infelizes que seduziram.”
Suas ocupações consistem, pois, em martirizar as almas que seduziram. Assim, não se encarregam de punir faltas livre e voluntariamente cometidas, porém as que eles próprios provocaram. São ao mesmo tempo a causa do erro e o instrumento do castigo; e, coisa singular, que a justiça humana, por imperfeita não admitiria – vítima que sucumbe por fraqueza, em contingências alheias e porventura superiores à sua vontade, é tanto ou mais severamente punida do que o agente provocador que emprega astúcia e artifício, visto como essa vítima, deixando a Terra, vai para o inferno sofrer sem tréguas, nem favor, eternamente, enquanto que o causador da sua primeira falta, o agente provocador, goza de uma tal ou qual dilação e liberdade até o fim do mundo.
Como pode a justiça de Deus ser menos perfeita que a dos homens?
Mas ainda não é tudo: “Deus permite que ocupem lugar nesta criação, nas relações que com o homem deviam ter e das quais abusam perniciosamente.” Deus podia ignorar, no entanto, o abuso que fariam de uma liberdade por ele mesmo concedida? Então, por que a concedeu? Mas nesse caso é com conhecimento de causa que Deus abandona suas criaturas à mercê delas mesmas, sabendo, pela sua onisciência, que vão sucumbir, tendo a sorte dos demônios. Não serão elas de si mesmas bastante fracas para falirem, sem a provocação de um inimigo tanto mais perigoso quanto invisível? Ainda se o castigo fora temporário e o culpado pudesse remir-se pela reparação!...Mas não: a condenação é irrevogável, eterna! Arrependimento, regeneração, lamentos, tudo supérfluo!
Os demônios não passam de agentes provocadores e de antemão destinados a recrutar almas para o inferno, isto com a permissão de Deus, que antevia, ao criar estas almas, a sorte que as aguardava. Que se diria na Terra de um juiz que recorresse a tal expediente para abarrotar prisões? Estranha idéia de um Deus cujos atributos essenciais são: - justiça e bondade soberanas! E dizer-se que é em nome de Jesus, dAquele que só pregou amor, perdão e caridade, que tais doutrinas são ensinadas! Houve um tempo em que tais anomalias passavam despercebidas, porque não eram compreendidas nem sentidas; o homem, curvado ao jugo do despotismo, submetia-se á fé cega, abdicava da razão. Hoje, porém, que a hora da emancipação soou, esse homem compreende a justiça, e, desejando-a tanto na vida quanto na morte, exclama: - Não é, não pode ser tal, ou Deus não fora Deus.”
Os maus Espíritos, muitas vezes, nos incitam ao mal, quando os atraímos com os nossos maus pensamentos. Mas também recebemos os conselhos dos bons Espíritos, que nos sugerem a prática do bem. Cabe a nós, mediante nosso livre-arbítrio, escolher qual sugestão iremos acatar (Ver Os Espíritos Influenciam Nossas Vidas?, neste blog).
“[...](Igreja) “São, depois do pecado, o que é o homem depois da morte. A reabilitação dos que caíram torna-se, portanto, impossível.”
Donde provém essa impossibilidade? Não se compreende que ela seja a consequência de sua similitude com o homem depois da morte, proposição que, ao demais, é muito ambígua.
Acaso provirá da própria vontade dos demônios? Porventura da vontade divina? No primeiro caso a pertinácia denota uma extrema perversidade, um endurecimento absoluto no mal, e nem mesmo se compreende que seres tão profundamente perversos pudessem jamais ter sido anjos de virtude, conservando por tempo indefinido, na convivência destes, todos os traços da sua péssima índole e natureza.
No segundo caso, ainda menos se compreende que Deus inflija como castigo a impossibilidade de reparação, após uma primeira falta. O Evangelho nada diz que com isso se pareça.
(Igreja) “A sua perda é desde então irreparável, mantendo-se eles no orgulho perante Deus.” E de que lhes serviria não manterem tal orgulho, uma vez que é inútil todo o arrependimento? O bem só poderia interessá-los se eles tivessem uma esperança de reabilitação, fosse qual fosse o seu preço. Assim não acontece, no entanto, e pois se perseveram no mal é porque lhes trancaram a porta da esperança. Mas porque lhes trancaria Deus essa porta? Para se vingar da ofensa decorrente da sua insubmissão. E, assim, para saciar o seu ressentimento contra alguns culpados, deus prefere não somente vê-los sofrer, mas agravar o mal com o mal maior; impelir à perdição eternas toda a Humanidade, quando por um simples ato de clemência podia evitar tão grande desastre, aliás previsto de toda a eternidade!
Trata-se, no caso vertente, de um ato de clemência, de uma graça pura e simples que pudesse transformar-se em estímulo do mal? Não, trata-se de um perdão condicional, subordinado a uma regeneração sincera e completa, mas, ao invés de uma palavra de esperança e misericórdia, é como se Deus dissera: Pereça toda a raça humana antes que minha vingança.” E com semelhante doutrina ainda muita gente se admira de que haja incrédulos e ateus! E é assim que Jesus nos representa seu Pai? Ele nos deu a lei expressa do esquecimento e do perdão das ofensas, que nos manda pagar  o mal com o bem, que prescreve o amor dos nossos inimigos como a primeira das virtudes que nos conduzem ao céu, quereria desse modo que os homens fossem melhores, mais justos, mais indulgentes que o próprio Deus?”

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1 KARDEC, ALLAN. O céu e o inferno: a justiça divina segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro : Editora FEB, 1990;
2______________. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro : Editora FEB,1995.;

3______________. O Evangelho segundo o Espiritismo. São Paulo : Editora Petit, 1997.;

4______________.A Gênese: Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: Editora FEB, 1988;
5 SILVA, Severino Celestino da. Analisando as traduções bíblicas:refletindo a essência da mensagem bíblica. João Pessoa: Editora Núcleo Espírita Bom Samaritano, 2000.